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Ante o cenário atual vivenciado pela sociedade brasileira em razão da disseminação do coronavírus SARS-CoV-2 (“Covid-19”), selecionamos alguns pontos chave de natureza civil decorrentes da crise.

No campo das relações de consumo, considerando que a regra geral determina que o fornecedor de produtos e/ou serviços responde, objetivamente (ou seja, independentemente da aferição de culpa/dolo), pelos danos causados ao consumidor, é de suma importância reforçar a clareza, objetividade e precisão nas informações prestadas ao consumidor.

Na hipótese de qualquer vício e/ou defeito no produto e/ou serviço, é sabido que de acordo com o Código de Defesa do Consumidor (“CDC”), existem poucas exceções que autorizam o afastamento da responsabilização do fornecedor, sendo certo que, na atual conjuntura, muito se discutirá sobre a aplicação, ou não, do instituto da força maior como forma de alterar e até mesmo afastar obrigações advindas dos contratos de consumo.

Previsto expressamente no artigo 393 do Código Civil e implicitamente previsto no CDC, o instituto da força maior visa romper o liame da responsabilização em razão de ocorrência de ato ilícito, que cause dano ao consumidor, mas decorrente de evento totalmente fora do controle do fornecedor – instituto que diverge do caso fortuito, pois esse instituto, ao revés, determina que o fornecedor de produtos e/ou serviços deve responder pelo prejuízo causado, por se tratar de risco à sua atividade.

Assim, muito se verá no Judiciário a alegação de existência do instituto da força maior visando a justificar a impossibilidade de cumprimento de obrigações e, portanto, a consequente necessidade de afastamento do dever de indenizar.
Considerando que o tema ainda não foi propriamente analisado pelos tribunais brasileiros, não havendo, neste momento, uma posição consolidada se o instituto da força maior será, de fato, aplicado para reajustar/extinguir obrigações, recomenda-se que eventuais controvérsias sejam dirimidas caso a caso, de forma extrajudicial, entre fornecedores de produtos e/ou serviços e o consumidor.

E neste sentido, entende-se apropriado que o fornecedor de produtos e/ou serviços demonstre que, dentro das medidas que estavam ao seu alcance, foram adotadas todas as providências com a finalidade de atender aos anseios do consumidor, quando previstos na relação de consumo.

De outro modo, também com vistas a reduzir a disseminação do Covid-19, foi determinado pelo Conselho Nacional de Justiça (“CNJ”) que os tribunais brasileiros (com exceção do Supremo Tribunal Federal e da Justiça Eleitoral), tivessem todos os seus prazos suspensos até 30.04.2020, exceto para análise e julgamento de questões de natureza urgente, fato que também poderá atrasar a análise de pedidos indenizatórios formulados pelos consumidores.

Desta forma, reforça-se o entendimento de que a composição extrajudicial, caso a caso, seja a melhor forma de resolver disputas, ainda mais em momentos de crise.

Ainda do ponto de vista consumerista, é certo que o CDC preserva o interesse do consumidor quando o fornecedor de produtos e/ou serviço cancela a entrega do produto e/ou do serviço, cabendo ao consumidor pleitear o desfazimento do negócio e o recebimento de indenização, assim como perdas e danos, se houver, na forma dos artigos 18 e 20 de referido código.

Assim, em princípio, ainda que exista a possibilidade de arguição de existência do instituto de força maior, o fornecedor de produtos e/ou serviços é obrigado ao cumprimento do quanto consignado nos artigos legais acima indicados. Porém, frisa-se que, no atual momento, tanto do ponto de vista econômico, mas também social, existem alternativas a serem aplicadas, dentro dos ditames legais, que podem ser alinhadas entre os fornecedores de produtos e/ou serviços e os consumidores em geral.

Assim, não obstante a garantia dos direitos acima indicados, é lícito às partes pactuarem, por exemplo, o reagendamento da entrega do produto e/ou da prestação do serviço ou mesmo a entrega de outro produto similar e/ou ajuste no serviço a ser prestado, desde que mediante expressa aceitação do consumidor.
O uso das diretrizes acima pode – e entende-se que deve – ser utilizado em todos os segmentos do consumo, respeitando-se as normas específicas nos mais variados setores, como da indústria da aviação, e-commerce etc.

Ao tratarmos da relação de consumo no campo da aviação, o governo brasileiro, de forma célere, editou a Medida Provisória n. 925/2020, a qual tem por finalidade conceder maior fôlego financeiro às companhias aéreas que operam no Brasil e, principalmente, indicar o modus operandi a respeito do reembolso de passagens aéreas na hipótese de cancelamento de voos.

É uníssono o entendimento que o setor aéreo foi um dos mais afetados pelo Covid-19, sendo certo que o fluxo financeiro de referidas empresas foi fatalmente comprometido. Por tal razão, ainda que com algumas lacunas, a Medida Provisória determinou a postergação dos prazos de pagamento de contribuições fixas e variáveis devidas, pelas companhias aéreas, aos entes reguladores do Brasil.

Além disso, a Medida Provisório determinou que, para contratos de transporte aéreo celebrados até 31.12.2020, as companhias aéreas detêm o prazo de 12 (doze) meses para efetuar o reembolso de passagens aéreas. Para os consumidores que aceitarem o reembolso do valor pago pelas passagens aéreas via concessão de um crédito, para utilização em 12 (doze) meses, contado da data do voo contratado, restou estabelecido que tal crédito será isento de quaisquer penalidades advindas do contrato de transporte aéreo original.

Pela natureza da Medida Provisória, a qual consiste em ato uníssono do Presidente da República, é certo que tal medida deverá ser reanalisada, modificada e, ao final, aprovada pelos membros do Congresso Nacional brasileiro.
Por fim, um outro ponto que merece atenção, se refere aos assuntos envolvendo insolvência.

Considerando a recessão econômica causada pelo reduzido fluxo de negócios no cenário do Covid-19, o risco de atraso no cumprimento de obrigações, falta e/ou escassez de insumos, inadimplementos contratuais e até mesmo paralisação e consequentemente encerramento de atividades das empresas (principalmente das de pequena e médio portes) aumenta exponencialmente.

Neste cenário, inobstante as medidas adotadas pelo governo brasileiro para incentivo da economia (ajustes nos contratos de trabalho e postergação de prazos para pagamento de impostos, por exemplo), se faz importante a adoção de medidas que viabilizem a continuidade da empresa, instrumentalizada na utilização de regimes de recuperação extrajudicial ou recuperação judicial, se atendidos os requisitos legais e processuais para tais providências.

Destaca-se, uma vez mais, que o cenário é extremamente dinâmico. Por isso, antes da adoção de quaisquer medidas dentro de um caso concreto de natureza cível, recomendamos sempre a busca de orientação legal para preservação e defesa de direitos e relações jurídicas.