Drielle Amate Matta
Pablo Christian Dias
Sancionada pela Presidência da República e publicada no Diário Oficial da União em 13/05/2021, a Lei n° 14.151/2021 traz novas medidas e diretrizes de proteção adotadas pelo Governo Federal como forma de reduzir os riscos de contaminação e exposição decorrentes da pandemia do COVID-19, a qual, neste caso, está atrelada à proteção da empregada gestante.
Originária do Projeto de Lei nº 3.932/2020, a proposta havia sido aprovada pelo Senado Federal em 15/04/2021, após aprovação da Câmara dos Deputados em agosto de 2020.
A nova Lei tem por primordial objetivo a redução dos riscos de contaminação das gestantes pela COVID-19, considerando, essencialmente, o avanço da pandemia no País, o aumento exponencial dos números de casos e a respectiva ocupação das UTIs hospitalares.
Conforme dados publicados em 19/04/2021 pelo Observatório Obstétrico Brasileiro Covid-19 (OOBr Covid-19), em 2020 morreram 453 gestantes e, em 2021, este número já alcança 362 óbitos em decorrência da contaminação pelo novo Coronavírus.
Nos termos da nova Lei, durante a emergência de saúde pública decorrente do Coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, isso sem prejuízo de sua remuneração.
Com seu afastamento do trabalho presencial, a empregada gestante ficará à disposição do empregador para exercer suas atividades de casa, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou qualquer outra forma de trabalho à distância.
Portanto, a nova Lei tem como primordial objetivo a redução da exposição das empregadas gestantes ao Coronavírus.
Em que pese tratar-se de um grande avanço legislativo para a proteção da empregada gestante e de seu feto, a nova Lei é bastante simplória e acabou por desencadear questionamentos quanto a especificidades não previstas ou detalhadas no texto. Um dos mais relevantes é a inexistência de solução clara para os casos nos quais não há a possibilidade de teletrabalho, trabalho remoto ou à distância.
Infelizmente, a Lei não apresenta uma solução clara ao empregador ou à empregada gestante no caso de não ser possível o trabalho à distância, já que, em interpretação stricto sensu da Lei, estando a empregada grávida, esta deverá ser afastada de suas atividades presenciais de trabalho, independentemente de seu trabalho viabilizar ou não a realização de forma remota, sem prejuízo em seus rendimentos.
Além destas dúvidas, a Lei gera insegurança quanto a outros pontos ainda não esclarecidos ou regulamentados, por exemplo:
- No caso de afastamento da empregada gestante, e não sendo possível a realização de trabalho à distância, quem é responsável pelo pagamento da remuneração, o empregador ou o Estado? Vale lembrar que a grande maioria das empresas de pequeno e médio porte estão passando por severas dificuldades financeiras em decorrente da duração da pandemia no país, no entanto, não há qualquer previsão de benefício, auxílio financeiro ou a previsão de antecipação da licença maternidade para este (novo) cenário;
- No caso de empregada gestante que já tomou a vacina contra o Coronavírus de acordo com o plano de vacinação Estadual ou Federal, poderá esta prestar trabalho presencial ou deverá permanecer afastada com base nas disposições da Lei, que não faz essa diferenciação?;
- Também não há clareza acerca do período de “emergência de saúde pública decorrente do coronavirus”. Vale lembrar que cada Estado se encontra em um momento ou situação de gravidade diversa e, a rigor, o estado de calamidade pública nacional instituído pelo Decreto Legislativo nº 6/2020 expirou em 31/12/2020.
A respeito deste último tema, importante mencionar que, embora a vigência da Lei nº 13.979/2020, a qual dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, esteja vinculada à vigência do Decreto Legislativo nº 6/2020, a qual decretou o estado de calamidade pública, o Supremo Tribunal Federal, em decisão proferida em 30/12/2020, estendeu os efeitos da Lei 13.979/2020 até 31/12/2021.
Nos termos da decisão, as medidas sanitárias previstas na Lei devem integrar o arsenal de medidas das autoridades sanitárias para combate à pandemia, devendo estas serem mantidas, mesmo tendo a vigência do Decreto Legislativo se expirado.
Muito embora tenha sido deferida a manutenção das medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública, com o elastecimento da vigência da norma, denota-se que, ainda assim, a problemática quanto à definição clara acerca do período de “emergência de saúde pública decorrente do coronavirus” não está satisfeita, já que a implementação das medidas de segurança não estão atreladas à declaração de estado de calamidade pública constante no já expirado Decreto Legislativo nº 6/2020.
Além de todas estas problemáticas acima apresentadas, e como se já não fossem suficientes, ainda existe temor de discriminação e redução nas contratações de gestantes durante o período de pandemia. Vale lembrar que, nos termos da Nota Técnica nº 01/2021 do GT Nacional do COVID-19 emitida pelo Ministério Público do Trabalho, a dispensa de trabalhadoras gestantes nesse período de pandemia pode vir a configurar hipótese de dispensa discriminatória prevista no artigo 373-A, inciso II, da CLT e artigo 4º da Lei nº 9.029/99.
Existem alternativas eficazes para superar todas estas problemáticas? Infelizmente não.
Muito embora o Governo Federal tenha editado as novas Medidas Provisórias 1.045 e 1.046, que reeditaram, respectivamente, o Programa Emergencial para Manutenção do Emprego e da Renda e a flexibilização de normas trabalhistas referentes a férias, teletrabalho, saúde e segurança do trabalho (sobre o qual escrevemos no artigo constante neste link https://montgomery.adv.br/novas-medidas-provisorias-em-ambito-trabalhista-covid-19/), denota-se que a aplicação de referidas medidas é restritiva, já que, tendo prazo de validade de aplicação de 120 dias (se expirando em 25/08/2021), esta pode não coincidir com o período gestacional da empregada gestante, o que, em última análise, poderá acarretar mais complicações para a aplicação da norma, do que, propriamente, ajudar a implementá-la. Como se não bastasse, muitas empresas já esgotaram as possibilidades de antecipação de férias e feriados no primeiro ano da pandemia.
Talvez uma alternativa, a título elucidativo, seja a classificação da gravidez como de risco, já que há restrições da Lei quanto à locomoção da empregada gestante ao local de trabalho, o que acarretaria a percepção de salário-maternidade durante o período de afastamento, nos termos da Lei nº 8.213/1991.
Contudo, por ora, esta alternativa esbarra em outra problemática, relacionada à apuração do INSS e dúvida sobre o deferimento ou não do benefício decorrente de possível questionamento quanto a este enquadramento de risco, já que, a rigor, há alternativas legais de certa forma aptas a garantir o distanciamento social dessas trabalhadoras, seja com a aplicação das medidas da própria Lei, com a aplicação do trabalho à distância, ou, até mesmo, com as alternativas apresentadas pelas Medidas Provisórias atualmente em vigor.
Entretanto, estas possibilidades são escassas, limitadas no tempo e podem já ter sido completamente utilizadas, já que foram anteriormente implementadas como forma de “respiro” para o afogamento decorrente da crise econômica e financeira gerada pela pandemia.
Independentemente das dúvidas e margens interpretativas que a nova Lei desencadeia, é certo que a proteção da gestante é uma garantia Constitucional, a qual abrange não só a proteção da empregada gestante, mas, também, a preservação do feto e da entidade familiar como um todo.